Depois de mais de oito meses, eis que alguma centelha de inspiração ainda me resta. E aproveitei pra mudar o layout do blog, de novo; quem sabe assim sinto vontade de atualizá-lo com mais frequência...
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O despertador tocou. Josimar abriu com dificuldade seus olhos verde escuros e tentou focalizar os ponteiros luminosos do seu rádio-relógio. Quatro e quinze da manhã. Hora de levantar, colocar o uniforme, comer os farelos do jantar e ir para o trabalho.
Josimar era cobrador de ônibus há uns oito anos, e era só. Todos os dias, de domingo a quinta, acordava antes das cinco horas da manhã, chegava cedo no trabalho, distribuía pequenas doses de automáticos “bom-dias” aos colegas de trabalho e às pessoas sem rosto que entravam e saíam de seu ônibus durante o dia, voltava para o apartamento na periferia que herdara dos pais no final da tarde, assitia a novela das oito que começava às nove na pequena televisão de quatorze polegadas, jantava qualquer coisa congelada e ia dormir antes das onze. De domingo a quinta Josimar simplesmente existia, fazendo exatamente tudo o que pelos outros era esperado que fizesse: Josimar, o que nunca se atrasa; Josimar, o que nunca erra no troco; Josimar, o Funcionário do Mês.
Ele levantou-se preguiçosamente e vestiu a camisa azul clara, a calça jeans surrada e os All Star vermelhos. Sim, hoje era dia de usar aqueles tênis vermelhos. Hoje não era um domingo ou uma quinta-feira qualquer, era sexta. Ah, a tão esperada sexta-feira. O dia em que Josimar finalmente poderia ser ele mesmo.
Passou um café fraco, comeu um pedaço de um pão doce que encontrara no armário e saiu, assoviando, para trabalhar. Até os seus “bom dias” ficavam menos automáticos às sextas-feiras. Talvez fosse coisa dos tênis vermelhos, diziam alguns de seus colegas. Talvez fosse a mágica psicológica das sextas-feiras, diziam outros. O fato era que até mesmo o dia de trabalho passava mais rápido para Josimar às sextas-feiras.
Era fim de tarde, já, e Josimar caminhava alegremente de volta para seu apartamento. Olhou em seu relógio de pulso, seis horas. Ele tinha exatas três horas para fazer tudo o que precisava ser feito para seu compromisso da noite. Dessa vez teria carona, graças a Deus, e não precisaria fazer tudo correndo. Hoje ele teria todo o tempo do mundo para se preparar.
Chegou em casa, tomou um demorado banho e, ainda de toalha, abriu aquela parte do armário que só era aberta naquele dia da semana. Destrancou as gavetas vagarosamente, como sempre fazia, curtindo cada momento, e puxou-as para si.
Depois de quase duas hora de indecisão, finalmente conseguiu escolher uma roupa que achou servir direitinho para aquela ocasião. Agora faltavam apenas os retoques finais na aparência e em alguns minutos já estava pronto.
Olhou-se no espelho e sorriu. Sim, aquele, sim, era seu eu verdadeiro. O vestido alaranjado, com detalhes em magenta cintilante e cheio de lantejoulas caía-lhe muito bem nas costas, alongando sua silhueta e dando-lhe um ar meio vintage. A maquilagem colorida em seus olhos verdes ressaltava seu olhar, propiciando-lhe sensualidade e mistério. E a peruca, ah!, como gostava daquele cabelo acobreado caindo em cachos pelos seus ombros! E os garotos da boate, lembrou-se com um sorrisinho, aqueles com certeza também gostavam.
O interfone tocou; sua carona chegara. E, finalmente, depois de seis dias sendo exatamente quem queriam que ele fosse, ele poderia ser, durante toda a madrugada daquela sexta-feira, quem ele realmente era. Deixava, então, de ser simplesmente Josimar Guimarães dos Santos Silva, cobrador de ônibus e funcionário do mês, para ser Lady Katrynna Glamourosa, a estrela de dança sensual por quem os garotões sempre se apaixonavam da boate drag Rainha da Cidade Pink.