O Sol se aproximava do horizonte quando a Lagartixa Raio de Sol finalmente chegou aos pés dos Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Davam Para Lugar Nenhum.
Um sentimento de missão quase cumprida e contentamento quase pleno apoderou-se dela enquanto estava a observar aqueles imponentes portais de madeira esburacada e dobradiças de aço enferrujado com os olhinhos castanhos marejados de emoção.
— Finalmente... — murmurou a Lagartixa avançando lentamente em direção aos Portões — Vou ser a primeira Lagartixa a descobrir o que diabos tem do Outro Lado dos Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Dão Para Lugar Nenhum... o que será que verei? — continuou, encostando as frias patas na madeira velha do portal.
Hesitou ao empurrá-las.
— Por que será que ninguém nunca quis saber disso antes? — perguntou-se.
Então uma onda crescente de pânico começou a tomar lugar em seu peito, corroendo a sensação de missão quase cumprida e esburacando o sentimento de contentamento quase pleno.
E se fosse melhor não saber o que havia do outro lado? E se ela não estivesse preparada para o que cargas d’água poderia haver ali? E se fosse justamente esse o motivo de terem fechado os portões e de ninguém se atrever a ver o que se passava do lado de lá? E se tudo não passasse de uma árvore de maçãs carregada de frutas-do-conde?
— Não entre em pânico, não entre em pânico, NÃO ENTRE EM PÂNICO, PORRA!! — dizia uma vozinha histérica em sua cabeça.
Raio de Sol respirou fundo e retirou de seu bolso a pequena fruta-do-conde que o Mini-Canguru-Dos-Campos lhe jogara na cabeça. Ficou alguns instantes a observá-la, reparando em todos os gominhos esquisitos dispostos em sua casca, pensando o quê diabos Deus estaria pensando quando criou aquela fruta, ou quando criou o kiwi, quando criou o ornitorrinco, quando criou ela mesma.
Voltou novamente o olhar para os Grandiosos Portões.
— E seu Deus não tiver nada a ver com isso? — pensou.
Fechando os olhos, resolveu começar a abri-los lentamente. Quando havia uma pequena fresta aberta, jogou sua fruta-do-conde para o outro lado e fechou-o rapidamente. Esperou, escutando. Não ouviu nada, e sua curiosidade aumentou.
— Que seja o que tiver que ser — pensou, dando de ombros — Afinal, que é que eu tenho a perder?
Empurrou os pedaços de madeira velha com toda a sua força. Eles estalaram e se abriram com um estrondo, deixando uma lagartixa antes assustada completamente estupefata com o que viu.
Era igual.
Exatamente igual.
O outro lado se compunha das mesmas montanhas que ela conhecia desde pequena e que existiam do lado de cá. Eram os mesmos campos verdejantes, as mesmas macieiras que davam frutas-do-conde. O Sol brilhava do mesmo jeito dos dois lados, o céu continuava a ser azul, vermelho e dourado no pôr-do-sol, as nuvens continuavam a ser de algodão doce.
— Eu falei que não tinha nada, não falei? — disse o Mini-Canguru-Dos-Campos, surgido sabe-se-lá de onde.
— Ora — disse a lagartixa — Tem, sim. Muita coisa, aliás. E agora eu sei — respondeu a lagartixa, precipitando-se pelo portal e apanhando a fruta-do-conde que jogara para o outro lado — Tome — entregou-a ao Mini-Canguru-Dos-Campos — Pode ser útil.
Raio de Sol fechou novamente os portões e voltou alegre e contente para o Vilarejo Tranqüilo, assobiando uma bela canção.
[FIM]
sábado, 11 de julho de 2009
domingo, 5 de julho de 2009
A Lagartixa Raio De Sol - Parte II
Após muito caminhar pela Estrada Que Levava Até Os Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Davam Para Lugar Nenhum — estrada esta construída muito, muito tempo antes das Lagartixas Que Se Diziam Modernas E Inteligentes assumirem o poder e proclamarem que os Antigos Portões Construídos Sabe-se Lá Por Quem não davam para lugar nenhum e que seguir por aquela estrada era completa perda de tempo e dinheiro — Raio de Sol resolveu parar para descansar debaixo de uma macieira.
E lá estava ela, de olhos fechados e coração aberto aproveitando a brisa fresca vinda do oeste quando, de repente, uma grande e gorda fruta-do-conde caiu pesadamente em sua cabeça, dando-lhe então o ponto de partida para a hoje tão difundida teoria da relatividade, cuja base antiga foi, justamente, como diabos uma fruta-do-conde poderia cair pesadamente na cabeça de uma lagartixa que se encontrava não debaixo de uma árvore — ou seja lá pé de quê frutas-do-conde gostam de nascer — de frutas-do-conde, mas, sim, debaixo de uma macieira.
A lagartixa Raio de Sol levantou-se cambaleando e olhou em volta. A alguns metros de onde estava havia um Mini-Canguru-Dos-Campos com a cabeça cor-de-abóbora enfiada numa moita e uma sacola cheia de frutas-do-conde segura nas patas.
— Ei, carinha! — disse a lagartixa coçando a cabeça — O que você está fazendo aí?
Silêncio.
— Oi! — continuou Raio de Sol — Eu estou falando com você...?
Mais silêncio.
— Ah... oi? — repetiu a lagartixa, dessa vez cutucando o Mini-Canguru-Dos-Campos.
— AHHH! — gritou o Mini-Canguru-Dos-Campos tirando a cabeça de dentro da moita com um movimento brusco.
— AHHHHHH!!! — gritou Raio de Sol sem saber exatamente por que.
— AAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!! — gritou de novo o canguru.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!! — berrou a plenos pulmões a lagartixa.
— AAHHH... ah... por quê diabos estamos gritando? — disse o canguru.
— Putaqueopariuvaisefoderfilhodaputa!! — resmungou Raio de Sol enquanto se recuperava do susto — Eu é que pergunto, pombas! Você...
— Ah, sim! Como foi que você me achou? Eu estava escondido, droga.
— Como assim como foi que eu te achei? Só a sua cabeça estava escondida, o resto...
— Era a parte mais importante a ser escondida, não? Digo, como você pode me ver, se eu não vejo você?
— ...
— Você deve ter sétimo sentido... não?
— ...
— Em todo o caso, o que faz uma Lagartixa Tranqüila perambulando sozinha pela Estrada Que Leva Até Os Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Dão Para Lugar Nenhum? Isso não é coisa de lagartixas. É coisa de Mini-Cangurus-Dos-Campos.
— E jogar frutas-do-conde nas cabeças das lagartixas tranqüilas que resolvem perambular sozinhas pela Estrada Que Leva Até Os Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Dão Para Lugar Nenhum também é coisa de Mini-Cangurus-Dos-Campos?
— É claro que é. Todo mundo sabe disso. Mas o que importa é: você está a procura dos Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Dão Para Lugar Nenhum?
— Ah... é... é, é sim, estou, sim.
— Pois então desista, pequena lagartixa. Não tem nada do lado de lá. Eu já vi, meus companheiros Mini-Cangurus também já viram. É perda de tempo.
— Hum. Ora, se você viu que não há nada do lado de lá, significa que alguma coisa há para se ver, nem que essa coisa seja o nada, concorda?
— Bem... de que importa, também? Tome, leve uma fruta-do-conde com você. Pode ser importante. Ou não — disse o Mini-Canguru-Dos-Campos, entregando-lhe uma fruta e pulando para longe logo em seguida — Até mais, pequena lagartixa! Só não vá se perder por aí! — gritou ele um pouco antes de sumir por entre as folhagens do bosque próximo à estrada.
— Cada um... — pensou Raio de Sol, continuando sua jornada.
(Continua)
E lá estava ela, de olhos fechados e coração aberto aproveitando a brisa fresca vinda do oeste quando, de repente, uma grande e gorda fruta-do-conde caiu pesadamente em sua cabeça, dando-lhe então o ponto de partida para a hoje tão difundida teoria da relatividade, cuja base antiga foi, justamente, como diabos uma fruta-do-conde poderia cair pesadamente na cabeça de uma lagartixa que se encontrava não debaixo de uma árvore — ou seja lá pé de quê frutas-do-conde gostam de nascer — de frutas-do-conde, mas, sim, debaixo de uma macieira.
A lagartixa Raio de Sol levantou-se cambaleando e olhou em volta. A alguns metros de onde estava havia um Mini-Canguru-Dos-Campos com a cabeça cor-de-abóbora enfiada numa moita e uma sacola cheia de frutas-do-conde segura nas patas.
— Ei, carinha! — disse a lagartixa coçando a cabeça — O que você está fazendo aí?
Silêncio.
— Oi! — continuou Raio de Sol — Eu estou falando com você...?
Mais silêncio.
— Ah... oi? — repetiu a lagartixa, dessa vez cutucando o Mini-Canguru-Dos-Campos.
— AHHH! — gritou o Mini-Canguru-Dos-Campos tirando a cabeça de dentro da moita com um movimento brusco.
— AHHHHHH!!! — gritou Raio de Sol sem saber exatamente por que.
— AAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!! — gritou de novo o canguru.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!! — berrou a plenos pulmões a lagartixa.
— AAHHH... ah... por quê diabos estamos gritando? — disse o canguru.
— Putaqueopariuvaisefoderfilhodaputa!! — resmungou Raio de Sol enquanto se recuperava do susto — Eu é que pergunto, pombas! Você...
— Ah, sim! Como foi que você me achou? Eu estava escondido, droga.
— Como assim como foi que eu te achei? Só a sua cabeça estava escondida, o resto...
— Era a parte mais importante a ser escondida, não? Digo, como você pode me ver, se eu não vejo você?
— ...
— Você deve ter sétimo sentido... não?
— ...
— Em todo o caso, o que faz uma Lagartixa Tranqüila perambulando sozinha pela Estrada Que Leva Até Os Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Dão Para Lugar Nenhum? Isso não é coisa de lagartixas. É coisa de Mini-Cangurus-Dos-Campos.
— E jogar frutas-do-conde nas cabeças das lagartixas tranqüilas que resolvem perambular sozinhas pela Estrada Que Leva Até Os Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Dão Para Lugar Nenhum também é coisa de Mini-Cangurus-Dos-Campos?
— É claro que é. Todo mundo sabe disso. Mas o que importa é: você está a procura dos Grandiosos Portões Que Teoricamente Não Dão Para Lugar Nenhum?
— Ah... é... é, é sim, estou, sim.
— Pois então desista, pequena lagartixa. Não tem nada do lado de lá. Eu já vi, meus companheiros Mini-Cangurus também já viram. É perda de tempo.
— Hum. Ora, se você viu que não há nada do lado de lá, significa que alguma coisa há para se ver, nem que essa coisa seja o nada, concorda?
— Bem... de que importa, também? Tome, leve uma fruta-do-conde com você. Pode ser importante. Ou não — disse o Mini-Canguru-Dos-Campos, entregando-lhe uma fruta e pulando para longe logo em seguida — Até mais, pequena lagartixa! Só não vá se perder por aí! — gritou ele um pouco antes de sumir por entre as folhagens do bosque próximo à estrada.
— Cada um... — pensou Raio de Sol, continuando sua jornada.
(Continua)
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